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A despedida de um guardião: o presidente da Irmandade do Rosário de Uberlândia se foi embora.

Publicado em 22/05/2021 - 09:19 Por Jeremias Brasileiro
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Créditos da imagem: Foto: O guardião Deny Nascimento escoltado por uma guarda de capitães. Jeremias Brasileiro, 2021.

A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito de Uberlândia se despediu nessa semana, no dia 16 de maio de 2021, daquele que considero o último guardião de uma geração centenária da cultura afro-brasileira de Uberlândia e do Brasil. A manifestação cultural e religiosa da Congada perdeu, nesse sentido, o filho de Elias Nascimento, o neto de Manoel Angelino, o descendente que teve seus antepassados escravizados por antecessores de família renomada na cidade, até os dias de hoje, século XXI. Nossa homenagem, portanto, é a rememoração sintética para trazer um pouco da história de Deny Nascimento.


Quando toda uma geração inesperadamente se vai, existe uma ruptura entre o passado e o presente que precisa ser preenchida, e, para isso, a história, a memória de quem se foi, necessita ser contada, conhecida, respeitada. Deny Nascimento foi um baluarte da congada uberlandense, dedicou quase meio século de sua vida para manter a tradição na cidade, uma luta duradoura em meio aos diversos tipos de preconceitos existentes.

 

Durante 11 anos ininterruptos, enquanto Comandante da Festa da Congada de Uberlândia, acompanhei Deny Nascimento e me lembro de, em certo ano, um padre sugerir que deveríamos mudar os Mastros, fazer de cano PVC, que era mais fácil. Sr. Deny Nascimento nervoso respondeu-lhe: “Nunca padre! Enquanto eu estiver vivo, vai ser de madeira, senhor não sabe que nossa tradição é de aroeira, isso vem de longe padre! Enquanto eu for vivo, os Mastros vão ser de madeira sim, seu padre!”.

 

Isso demonstra que a luta de Deny Nascimento, enquanto presidente da Irmandade do Rosário, era imensa em todos os sentidos e ele sempre foi uma pessoa do diálogo, preocupado, sobretudo, com as crianças, cuidar das crianças, dos jovens, para a tradição não morrer no futuro. Em 2019 ele dizia: “Minha geração segurou até aqui, depois que eu morrer, eu não sei como vai ser, estará nas mãos de vocês, cuidar para não deixar a tradição acabar!”.

 

Ainda em 2019, fui surpreendido com um convite feito por Deny Nascimento, ele queria gravar um vídeo, falando algumas coisas sobre tradição de congado na cidade, determinadas situações envolvendo transições hierárquicas e vários ensinamentos. Ele acreditava que 2019 seria sua última festa (como de fato infelizmente foi) e por isso queria já deixar registrado em audiovisual um pouco de sua história e pensamento sobre o futuro da congada em Uberlândia.

 

“Se for necessário você usa tudo, mostra tudo, se não, você guarda pra você viu! Um dia você vai entender”. Deste modo, Deny Nascimento me confiava em Vida, a guarda de um documento em audiovisual cujo conteúdo em sua maior parte, iremos disponibilizar para a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito de Uberlândia. A preparação espiritual e histórica de Deny Nascimento foi de uma grandeza incomensurável, pois, de fato, por causa da pandemia, não tivemos a festa em 2020, e Sr. Deny veio a falecer em maio de 2021.

 

Escoltado por uma guarda de capitães, Deny Nascimento se despediu e foi visitar sua geração de congo, em um lugar espiritual permeado pelo ressoar dos tambores do congado, tambores que hão de continuar a ecoar de lá, para nos vigiar e não permitir que essa tradição termine em Uberlândia.

Tags: Congada, irmandade, despedida, guardiões
 Jeremias Brasileiro Jeremias Brasileiro
Crônicas e Ensaios das Gerais

Doutor em História Social pela Universidade federal de Uberlândia. É Comandante Geral da Festa da Congada da cidade de Uberlândia, no Triângulo Mineiro, desde o ano de 2005 e presidente da Irmandade do Reinado do Rosário de Rio Paranaíba, Alto Paranaíba, Minas Gerais, desde o ano de 2011. Desenvolve pesquisas sobre cultura afro-brasileira e sua diversidade nas Congadas de Minas Gerais, associando-as com o contexto educacional, em uma perspectiva epistemológica congadeira, de ancestralidade africana. Um intelectual afro-brasileiro reconhecido na obra de Eduardo de Oliveira: Quem é quem na negritude Brasileira (Ministério da Justiça, 1998), que lista biografias de 500 personalidades negras no Brasil; e na obra de Nei Lopes: Dicionário Literário afro-brasileiro (Rio de Janeiro: Editora Pallas, 2011). Detentor de um dos maiores acervos digitais sobre as Congadas de Minas Gerais, constituído desde a década de 1980, historiador com vasta experiência e produção cientifica sobre ritualidades, simbologias, coexistências culturais e religiosas em oposição ao conceito de sincretismo. Escritor, poeta, possui textos de dramaturgia, crônicas, literatura afro-brasileira.

Leia também: Sincretismo não! Coexistência cultural e religiosa, sim. Parte 1