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A Noite Dos Imortais Lanceiros Negros: Uma História Do Brasil

Publicado em 05/11/2020 - 16:26 Por Jeremias Brasileiro
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Créditos da imagem: Lanceiros Negros. Imagem da Internet

Sementes dos Quilombos dos Palmares se enraízam nas extensas planícies dos Pampas Gaúchos, em alma guerreira dos vitais lanceiros negros, Batalhão de um conflito de guerrilha farroupilha. Um regimento negro a marchar, sonhando com a liberdade, humanas buchas negras tais quais as balas vomitadas pelas bocas dos canhões; farrapos, famintos, febris e ainda em pé. 

E vem à memória as recordações de antes, sonho das eternidades livres, todavia só há uma noturna noite à espreita, a longa mão sombria que atraiçoa no silêncio, fechar de olhos e despertar no paraíso. Foi assim que Canabarro, general de um batalhão de escravizados, prometeu lugar de vida, prometeu ascensões hierárquicas, mas em acordo assassínio, chacinou mais de 500 lanceiros negros na madrugada de 11 de novembro de 1844. 

Esse não é um texto poético, heroico, sobre um imaginário brasileiro construído de que essa nação vivenciou uma democracia racial. Interessante, porém pensar que essas democratizações jamais chegaram de fato às populações afetadas, como o povo afro-brasileiro, e, essa fantasia sutilmente construída, é resultado de uma profunda desigualdade que perdura no século XXI. 

Quando chega o mês de novembro, existe uma movimentação intensa para falar sobre as questões afro-raciais no Brasil no âmbito da educação, da imprensa e muitos setores da sociedade civil. Essa temporada que muitos denominam como o “tempo de direito ao outro” é, no entanto, contraditória. Há que se lutar constantemente por um direito inalienável de existência e essa existencialidade não pode estar submissa a uma condescendência hierárquica que determina essa “utópica temporalidade” concedida ao outro para se posicionar diante do mundo. 

Será que os Lanceiros Negros acreditaram nessa “utopia” lá nos idos de 1844? De que teriam um lugar de vida? De que seriam livres? De que poderiam ser tenentes, coronéis, generais? Sempre achei esse “lugar de concessões” uma armadilha perigosa por não vir acompanhada de medidas eficazes de inserção social, de materialidade política, de materialidade econômica, só de ventos promissores de que o amanhã será melhor. Imagino que foi assim que os Lanceiros Negros descobriram a “utopia de seus lugares de vidas”. Ainda hoje o novembro continua sendo essa “utopia ofertada” e coincidentemente em um tempo de eleições não previsíveis para esse mês, o imaginário de que terão “lugar dessa vez” continua, no entanto não lugar de poder. 

Mas qual razão de essa história brasileira permeada de esperança libertária ficar circunscrita à Porto Alegre, ao Rio Grande do Sul? Novembro deveria e deve ser oportuno para trazer essas histórias ocultadas, mostrar que existem razões fundamentadas historicamente para explicar que de diversas formas o povo afro-brasileiro foi também enganado por meio de subterfúgios que os levaram à morte. Se raros foram os historiadores que ousavam falar sobre esse episódio em sala de aula, hoje na realidade, é mais difícil ainda.


Essas interlocuções que parecem distantes, na verdade possibilitam reflexões interessantes. Tal qual num passado distante quanto agora, as relações de poder continuam oprimir, com raras exceções; e os “lugares de vez” se tornam, muitas vezes, é um senso de autoconsciência culposa que não avança para ações políticas efetivas, mesmo assim, esses “lugares de vez” são filtrados, portanto não são todos que tem acesso a essa “condescendência”, independente do lugar social, cultural, político, religioso. 

 

Notas

 

Em 11 de novembro de 1844, após o comandante Canabarro ter feito um acordo com Duque de Caxias, ocorre a chacina de 600 negros do regimento militar de Canabarro, ex-escravizados chamados de lanceiros negros, cuja promessa eram de ser libertados de fato, após a cessação das batalhas, uma utopia de lugar existencial de vida que não se concretizou. 

Pra saber mais, ver: História do Brasil. São Paulo: Folha de São Paulo, 1997, p. 128. 

Pintura retratando a luta dos lanceiros Negros. Fonte: internet. Acesso em janeiro de 2020.

https://www.google.com/search?q=Lanceiros+negros+pinturas&tbm=isch&ved=2ahUKEwiUjP24uOfsAhXMLrkGHUTqCJIQ2-cCegQIABAA&oq=Lanceiros+negros+pinturas&gs_lcp=CgNpbWcQA1CvmQxYrMoMYNnMDGgAcAB4AIABhwGIAbYLkgEEMC4xM5gBAKABAaoBC2d3cy13aXotaW1nwAEB&sclient=img&ei=_tuhX5SVO8zd5OUPxNSjkAk&bih=657&biw=1024#imgrc=stlhTyNaPTHM_M

Tags: História, Lanceiros negros, Brasil
 Jeremias Brasileiro Jeremias Brasileiro
Crônicas e Ensaios das Gerais

Doutor em História Social pela Universidade federal de Uberlândia. É Comandante Geral da Festa da Congada da cidade de Uberlândia, no Triângulo Mineiro, desde o ano de 2005 e presidente da Irmandade do Reinado do Rosário de Rio Paranaíba, Alto Paranaíba, Minas Gerais, desde o ano de 2011. Desenvolve pesquisas sobre cultura afro-brasileira e sua diversidade nas Congadas de Minas Gerais, associando-as com o contexto educacional, em uma perspectiva epistemológica congadeira, de ancestralidade africana. Um intelectual afro-brasileiro reconhecido na obra de Eduardo de Oliveira: Quem é quem na negritude Brasileira (Ministério da Justiça, 1998), que lista biografias de 500 personalidades negras no Brasil; e na obra de Nei Lopes: Dicionário Literário afro-brasileiro (Rio de Janeiro: Editora Pallas, 2011). Detentor de um dos maiores acervos digitais sobre as Congadas de Minas Gerais, constituído desde a década de 1980, historiador com vasta experiência e produção cientifica sobre ritualidades, simbologias, coexistências culturais e religiosas em oposição ao conceito de sincretismo. Escritor, poeta, possui textos de dramaturgia, crônicas, literatura afro-brasileira.

Leia também: Sincretismo não! Coexistência cultural e religiosa, sim. Parte 1