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A Procissão Do Sr. Morto: Um Espetáculo De Fé Na Sexta Feira Da Paixão

Publicado em 27/03/2021 - 10:50 Por Jeremias Brasileiro
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Créditos da imagem: Fonte: PASCON/Rio Paranaíba

A semana santa é tempo de recolhimento, não forçado como tem sido agora, mas por uma questão de fé. Nessa circunstância é que falamos sobre a realização de um ritual da semana santa na cidade de Rio Paranaíba-Mg, a Procissão do Sr. Morto, uma ritualidade católica a contar com a presença de dois grupos de Congado, um denominado de Congo Sereno, e o outro, de Moçambique, que presenciamos no ano de 2009.

 

Na madrugada fria da sexta feira da paixão, ouve-se à distância, um ressoar de tambores, que ao aproximar-se sob as frágeis iluminações das ruas, revela ser de um grupo de Congado a conduzir um rito processional, a Procissão do Sr. Morto. Cânticos, rezas, conversas, matracas, soldados vestidos a caráter romano contornam a esquina, enquanto uma mulher apresenta o “cântico da Verônica” em meio à semiescuridão. A mulher toda coberta de véu, Junto a um coral feminino, canta as dores daquele que está provisoriamente morto.

 

Em seguida, aparece uma banda de músicos da cidade, a Fanfarra de Rio Paranaíba, com um ritmo a evocar tristeza, cadenciado, enquanto isso, lá na frente, liderando a Procissão do Sr. Morto, o Congo Sereno canta, dança e ressoas suas caixas, os tamborins, as violas, os reco-recos, acompanhados pela harmonia dos acordeons. O Moçambique de Rio Paranaíba, nas canções triste do Capitão Abel Jerônimo (falecido em 2011), segue o cortejo junto com o Congo Sereno.

 

A Procissão do Sr. Morto, que saíra da Igreja Matriz São Francisco das Chagas e fora até o portal do cemitério, retorna em júbilo com o Cristo ressuscitado. E é justamente na cantoria de recepção à porta da Igreja, já quase ao amanhecer do dia, que se ouve a voz do Capitão do Congo Sereno saudar a ressureição: “aiô/viva! /aiô viva! / viva cristo ressuscitado! / Viva cristo ressuscitado! / Cristo dê a sua benção! Cristo dê a sua benção! / meu povo tá precisano! / meu povo tá precisano!” e um coral de vozes masculinas a responder: “aiôô, aiôô, vivaa! / aiôô, aiôô, vivaa! / viva cristo ressuscitadoooo aiaaaiaai!” (Capitão Erivaldo Aleixo, 2009).

 

Após a saudação da chegada, o Congo Sereno segue até o altar com a imagem de Cristo ressuscitado, e solicita-lhe as bênçãos: “oh meu Sr. Dá sua benção! / oh meu Sr. Dá sua benção! / para a minha companhia! / para a minha companhia!”. (Capitão Erivaldo Aleixo, 2009). Um tríduo musical cantante é o que destacamos nessa Procissão do Sr. Morto, tríade de elementos culturais que sintetizam de maneira prática a coexistência religiosa que registramos na sexta-feira da semana santa.

 

A Fanfarra de Rio Paranaíba, que executa uma marcha fúnebre; o Moçambique de Rio Paranaíba a entoar cantorias por meio de uma melodia de lamentações, sob o som das gungas – latas contendo esferas de chumbo que ficam amarradas ao tornozelo dos dançadores – a tilintar a tristeza; o Congo Sereno, que no seu modo especifico de tocar mais alegre, dança aos sons dos tambores, e à frente anuncia a Procissão do Sr. Morto, bem como retorna inebriado de alegria, cantando a boa nova de Cristo ressuscitado.

 

A interatividade com os congos, os moçambiques, as festas religiosas dos reinados dos rosários, das Congadas, na cidade e na região, demonstraram e continua a demonstrar por onde ele vai, a possibilidade prática dessa coexistência cultural e religiosa, saindo do campo teórico, visualizando-a na realidade viva, das manifestações inseridas por vezes, no catolicismo popular. Isso nos permite afirmar que certos rituais coexistem em harmonia ou em meio a tensões, a depender dos atores sociais que ocupam os cenários religiosos em determinada época e lugar.

 

Pra Saber Mais, acesse:

Vídeo da Procissão do Sr. Morto: https://www.youtube.com/watch?v=rqppTC2-UiE

Artigo:https://revistarelicario.museudeartesacrauberlandia.com.br/index.php/relicario/article/view/29/23

 

 

Tags: Fé, catolicismo, coexistência cultural
 Jeremias Brasileiro Jeremias Brasileiro
Crônicas e Ensaios das Gerais

Doutor em História Social pela Universidade federal de Uberlândia. É Comandante Geral da Festa da Congada da cidade de Uberlândia, no Triângulo Mineiro, desde o ano de 2005 e presidente da Irmandade do Reinado do Rosário de Rio Paranaíba, Alto Paranaíba, Minas Gerais, desde o ano de 2011. Desenvolve pesquisas sobre cultura afro-brasileira e sua diversidade nas Congadas de Minas Gerais, associando-as com o contexto educacional, em uma perspectiva epistemológica congadeira, de ancestralidade africana. Um intelectual afro-brasileiro reconhecido na obra de Eduardo de Oliveira: Quem é quem na negritude Brasileira (Ministério da Justiça, 1998), que lista biografias de 500 personalidades negras no Brasil; e na obra de Nei Lopes: Dicionário Literário afro-brasileiro (Rio de Janeiro: Editora Pallas, 2011). Detentor de um dos maiores acervos digitais sobre as Congadas de Minas Gerais, constituído desde a década de 1980, historiador com vasta experiência e produção cientifica sobre ritualidades, simbologias, coexistências culturais e religiosas em oposição ao conceito de sincretismo. Escritor, poeta, possui textos de dramaturgia, crônicas, literatura afro-brasileira.

Leia também: Sincretismo não! Coexistência cultural e religiosa, sim. Parte 1