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A solidão dos tambores do congado em Uberlândia

Publicado em 03/07/2021 - 16:23 Por Jeremias Brasileiro
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Créditos da imagem: Com Silva – arte Naif

Há muito tempo que o mês de julho anuncia uma pré-convocação dos tambores como inicio também de preparação para a festa da congada da cidade de Uberlândia no mês de outubro. Logo após as festas juninas e antes da festa de agosto em Romaria, esse pré-anunciar significa que várias atividades serão desenvolvidas ao longo dos meses, em uma demonstração de que a festa na realidade, é constituída de várias etapas, várias ritualidades.

Por causa da pandemia, infelizmente, esse será o segundo ano sem a tradicional festa. Desde que registrada oficialmente há 104 anos, as únicas duas vezes nesse século sem a festa, é justamente em decorrência da COVID-19. Mas no embalo da fé, os devotos de Nossa Senhora do Rosário e de São Benedito, não deixam por causa disso, de continuar a tradição, mesmo que sendo de modo online, terços, missas, lives dos grupos, da Irmandade do Rosário, acontecem mensalmente.

Nesse sentido, em uma live recente com pessoas da comunidade congadeira, três temas bastante comuns, mas desconhecidos do público em geral, vieram à tona e revelaram o quanto há de trabalho cotidiano para que a festa aconteça e durante os festejos também. O primeiro foi sobre a produção de sandálias, uma das indumentárias mais difíceis de ser produzidas, pois não se trata de um simples acessório que se compra em lojas, como muita gente imagina ser.

As sandálias utilizadas no mês de outubro, não fazem parte de estação dos calçados, a pessoa que prepara essas sandálias, precisa colocar de igual modo em sua produção, aquele seu saber de fé. É necessário produzir sandálias que sejam do gosto e estilo das jovens de cada grupo, além disso, essas sandálias precisam estar aptas para caminhadas, movimentos dançantes, suportar temperaturas altas ou chuvas repentinas, por isso, não se trata de um simples acessório, sandálias, roupas, cabelos, é um conjunto performático no corpo das jovens congadeiras.

O cabelo é outra situação interessante a se pensar, as trancistas, os trancistas, trabalham até de madrugada realizando diversos tipos de tranças em cabelos de meninas, de jovens, de crianças, de adultos, é algo incrível de imaginar, o quanto isso movimenta a auto estima, a economia solidária, pois são profissionais da própria comunidade, e o quanto todo esse saber de trançar cabelos de acordo com as individualidades, aparecem no dia da festa, com impactos impressionantes. Trançar cabelos, produzir sandálias, para o povo congadeiro, é uma verdadeira arte do saber, não é meramente uma simples produção comercial e industrial.

A gastronomia afro-brasileira presente nos grupos de congado por ocasião da festa, é outra atividade essencial e ao mesmo tempo desconhecida. Em Uberlândia, enquanto os grupos desfilam e se apresentam no centro da cidade, em 24 localidades uma outra festa acontece: a preparação do almoço, do jantar, que envolve milhares de refeições servidas durante dois dias, um grupo de cozinheiros, de ajudantes, impressionante. Enfim, cozinha, cabelos e sandálias, a outra festa que ninguém vê.

Tags: congada, Uberlândia, saberes, pandemia, solidão
 Jeremias Brasileiro Jeremias Brasileiro
Crônicas e Ensaios das Gerais

Doutor em História Social pela Universidade federal de Uberlândia. É Comandante Geral da Festa da Congada da cidade de Uberlândia, no Triângulo Mineiro, desde o ano de 2005 e presidente da Irmandade do Reinado do Rosário de Rio Paranaíba, Alto Paranaíba, Minas Gerais, desde o ano de 2011. Desenvolve pesquisas sobre cultura afro-brasileira e sua diversidade nas Congadas de Minas Gerais, associando-as com o contexto educacional, em uma perspectiva epistemológica congadeira, de ancestralidade africana. Um intelectual afro-brasileiro reconhecido na obra de Eduardo de Oliveira: Quem é quem na negritude Brasileira (Ministério da Justiça, 1998), que lista biografias de 500 personalidades negras no Brasil; e na obra de Nei Lopes: Dicionário Literário afro-brasileiro (Rio de Janeiro: Editora Pallas, 2011). Detentor de um dos maiores acervos digitais sobre as Congadas de Minas Gerais, constituído desde a década de 1980, historiador com vasta experiência e produção cientifica sobre ritualidades, simbologias, coexistências culturais e religiosas em oposição ao conceito de sincretismo. Escritor, poeta, possui textos de dramaturgia, crônicas, literatura afro-brasileira.

Leia também: Sincretismo não! Coexistência cultural e religiosa, sim. Parte 1