As Guardiãs de memórias e saberes, novo livro de Jeremias Brasileiro
Publicado em 17/09/2021 - 16:07 Por Jeremias BrasileiroSocializamos nesta coluna, uma relíquia que compõe nosso novo livro a ser lançado no mês de outubro: As Guardiãs de Memórias e Saberes Ancestrais.
Tia Francisca (primeira à esquerda) nasceu no grotão. Originária de família negra alicerçada em tempos distantes, em períodos de antes da abolição. Lugares de negros escondidos no que era conhecido como pequenos “mocambos” do então Quilombo de Ambrósio ou Quilombo do Campo Grande. Tia Francisca, em um rápido depoimento, relata:
Meu nome é Francisca Maria de Jesus, estou com 92 anos, morei no grotão muitos anos, gostava demais de lá. Eu benzia meus netos, meus sobrinhos, benzia de vento virado, de quebrante, mau olhado, era só assim que eu benzia! Benzia com qualquer raminho, um ramo, vassourinha, era assim que eu benzia. (Francisca Maria, 2021).
Tia Francisca não benze mais, mas era assim que ela benzia, fazendo usos de ramos, como a maioria das benzedeiras. A fragilidade diante de um mundo em pandemia, não permitiu que eu me aproximasse e as pessoas idosas, muitas delas, gostam é de conversar e suas narrativas são bem mais ricas, do que aquelas gravadas por meio de celular.
Dona Tianinha (sentada) era a benzedeira de todos e também aquela que cuidava espiritualmente de mim em dias de “Reinado do Rosário” quando os tambores ressoam pela cidade, anunciando que a fé e a cultura negra ainda persiste e insiste em viver no Alto Querozene, lugar que antigamente era moradia das famílias negras oriundas de um pós escravidão.
De uma lucidez espiritual cativante, quer seja com o rosário, quer seja com orações, quer fosse com ramos, raízes e folhas, ela suavizava as agruras diárias das pessoas. Só o seu sorriso levemente tímido, era o suficiente para desconstruir pensamentos negativos e superar adversidades cotidianas. Sua morte deixou um vácuo que as novas gerações dificilmente preencherão.
Dona Mariinha, que está com as mãos sobre os ombros de Dona Tianinha, era outra dessas figuras humanas exponenciais. É dela a indagação que guardo há muitos anos na memória: “– Pois é né! Quem vai contar nossa história?”. Seu maior receio era de que a história de sua família acabasse após sua morte, naturalmente que se trata de uma história de muitas famílias, pois, Dona Mariinha, era a guardiã de uma comunidade familiar imensa.
A tradição guarda determinadas vivências em lembranças visuais, no entanto sob novas configurações; aquilo que foi gravado não será repetido do mesmo modo como aquele que passou, ritualizava ou praticava esse viver cultural. As guardiãs das memórias e saberes ancestrais, ao partirem, deixam um acervo de ensinamentos que vão desaparecendo com as novas gerações.
Foto: Tia Francisca, Dona Tianinha (Sentada), Dona Mariinha (Maria Marta Borges) Maria do João Tereza e Rosarita. Fonte: Hamilton Santos.