Era uma vez um cerrado que tive a felicidade de conhecer
Publicado em 05/06/2021 - 14:24 Por Jeremias BrasileiroEssa crônica tem a ver com minha história, com minhas lembranças aos quase dez anos de idade, quando ia para a roça levar minha irmã, professora de escola municipal na zona rural de Rio Paranaíba. Maria Nascimento de Jesus é o nome dela, aliás, um nome bem sugestivo, haja vista que o seu vir ao mundo se deu em uma data especial: 25 de dezembro. Tenho falado de muitos, tenho falado de tantos, mas raramente falo de mim, por isso talvez seja importante, o leitor que me acompanha, saber também de onde vim.
Uma de minhas tarefas na adolescência era na segunda feira de madrugada, levar minha irmã para dar aula na zona rural e trazer as meninas que vinham estudar na cidade de Rio Paranaíba, que na época, devia ter uns quatro mil habitantes, talvez. Pelas estradas e trilheiros havia pés de jabuticabas, gabirobas, mangabas, jatobás, abacates branco e roxo, coquinhos, mangas, goiabas e outras frutas e frutos do cerrado.
Também existia os perigos, de encontrar uma cobra urutu no trilho, jogar pedra, a serpente não morrer e ficar toda a semana no mesmo lugar, esperando irmã voltar, pois, diziam que urutu cruzeiro era assim, se não morria, esperava a gente para se vingar. Nessas caminhadas era comum encontrar vaca com bezerro recém-nascido, ainda escondido no pasto, então acontecia de ter de correr da vaca enfurecida, subir em pedra enorme e depois não saber como descer.
Às vezes em algum final de semana ficava na roça, nunca esqueço de uma enorme árvore de jambo, subir, sentar nos galhos fortes, comer o fruto e ouvir o som do monjolo a socar grãos de café; água corrente que movimentava o monjolo bem em frente à cozinha, por isso, fazia parte do cotidiano das pessoas.
No fundo do quintal era lugar de fazer rapaduras, cana moída para fazer a garapa à base de engenho movido por uma parelha de cavalos, ora de bois, e a gente por ali, esperando o melado sair para comer com o queijo fresquinho, queijo com melado ou queijo com goiabada, era tudo natural, artesanal.
Toda vez que retorno à região, uma dor imensa palpita no peito ao
presenciar nascentes e córregos poluídos pelos agrotóxicos das grandes
plantações, a circularidade de pivôs retirando a pouca água que ainda existe
nos rios, o cerrado de outrora é agora somente lembranças, fios de recordações
dispersos na memória.
Me pergunto o tempo todo: não teria sido possível administrar essas transformações? Preservar alguns lugares ou criar parques naturais para manter essa natureza viva do cerrado? Como tudo se transformou em desejo de lucro, de progresso, sem árvores, sem sombras, sem biodiversidade? De que resolve agora, ficar reclamando das ausências desses elementos essenciais à vida humana e também dos animais?