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Josefá dos Milagres: tocador de boi e gente

Publicado em 04/09/2021 - 09:42 Por Jeremias Brasileiro
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Créditos da imagem: https://www.clubenoticia.com.br/Noticia/index/5963/Policia_Rodoviaria_apreende_onibus_de_passageiros_transportando_40_bezerros

Por natureza, as possibilidades de sofrer se apresentam bem maiores para as pessoas pobres e é por isso que muitas não temem em escancarar o sorriso quando deparam com raros momentos de alegria. Josefá dos Milagres era assim, mas um dia deixou o caminhão boiadeiro e resolveu ser motorista de ônibus intermunicipal.

– Agora vou ser motorista de gente, dizia ele.

Acontece que, às vezes, Josefá esquecia e tratava os passageiros como se eles fossem bois. Josefá esquecia que gente de ônibus não era boi de caminhão e sem querer gritava quando chegava a uma parada de estrada:

 – Ôôôôôaaaa!

Josefá dizia que gente era pior do que gado, que quanto mais arreunido, mais quente ficava o ar, mesmo assim preferia o gado, pois o pum de gente fedia e pum de gado cheirava, e depois dizia ele: gado não tem axilas. Mas Josefá se esquecia de que gente não é como gado.

Nas andanças pelas estradas, porém, um dos pratos prediletos de Josefá era a maionese com bastante salpicão. Vai que em uma triste noite quando as nuvens do Sul de Minas iam desabar sobre um pequeno arraial, Josefá arrendou um prato de maionese num restaurante beira de estrada. Do arraial até a próxima cidade era uma buraqueira só e vai bacada dali, bacada de cá, e, o organismo de Josefá não resistiu.

Josefá, todo sem jeito, começou a gaguejar e o cobrador, para distraí-lo, dizia que era pra tomar cuidado que senão os passageiros desconfiavam.

Chegando à próxima parada, Josefá desceu depressa, correu logo ao banheiro, trocou de roupas em instantes e voltou tão veloz para o ônibus, que passageiro nenhum percebeu. O cobrador que sabia, jurou por todos os deuses e Nossas Senhoras das Aparecidas e desaparecidas que jamais iria contar o acontecido.

Duas horas depois do fato ocorrido, a rádio peão já sabia da maionese do Josefá. E ainda assim, Josefá se esquecia de que gente não é que nem boi.

Casado de poucos meses, Josefá cismou de sonhar que estava mexendo com os bois e acordou aos gritos de ôôas! A esposa, não suportou tamanha humilhação, gritando com Josefá:

 – Ou você fica comigo ou você fica com os bois!

E o Josefá ficou com os bois!

 – Ôôôôaaaa!

 

Obs. Baseado em fatos reais acontecidos nos anos de 1990.

Tags: Crônicas, vivências, fatos reais,
 Jeremias Brasileiro Jeremias Brasileiro
Crônicas e Ensaios das Gerais

Doutor em História Social pela Universidade federal de Uberlândia. É Comandante Geral da Festa da Congada da cidade de Uberlândia, no Triângulo Mineiro, desde o ano de 2005 e presidente da Irmandade do Reinado do Rosário de Rio Paranaíba, Alto Paranaíba, Minas Gerais, desde o ano de 2011. Desenvolve pesquisas sobre cultura afro-brasileira e sua diversidade nas Congadas de Minas Gerais, associando-as com o contexto educacional, em uma perspectiva epistemológica congadeira, de ancestralidade africana. Um intelectual afro-brasileiro reconhecido na obra de Eduardo de Oliveira: Quem é quem na negritude Brasileira (Ministério da Justiça, 1998), que lista biografias de 500 personalidades negras no Brasil; e na obra de Nei Lopes: Dicionário Literário afro-brasileiro (Rio de Janeiro: Editora Pallas, 2011). Detentor de um dos maiores acervos digitais sobre as Congadas de Minas Gerais, constituído desde a década de 1980, historiador com vasta experiência e produção cientifica sobre ritualidades, simbologias, coexistências culturais e religiosas em oposição ao conceito de sincretismo. Escritor, poeta, possui textos de dramaturgia, crônicas, literatura afro-brasileira.

Leia também: Sincretismo não! Coexistência cultural e religiosa, sim. Parte 1