Mario Antonio levou sua caixa de congo para ressoar no céu
Publicado em 17/07/2021 - 14:01 Por Jeremias BrasileiroTem sido cada vez mais desconfortável falar do momento de pandemia em que vivemos. Toda semana somos atordoados por um sem número de pessoas que simplesmente partem de nossas vidas, e, já não sabemos mais como lidar com isso. Dizem que o tempo é o senhor de todas as razões, mas nesse caso, o tempo pós pandemia é uma incógnita, nada mais será normal como antes era, um vácuo de temporalidade permanecerá em consequência de tantas vidas perdidas, que em larga medida, poderiam ter sido evitadas.
Quando pensamos na tradição do congado na cidade de Uberlândia, essa constatação é assustadora, uma geração de pessoas foram embora e o mais recente é um guardião dos saberes, guardião de memórias e histórias de congadeiros e de festejos, além de ser um mestre confeccionador de coroas e outros artefatos utilizados nos grupos de congado. Esse caixeiro, também carnavalesco, era o griô Mario Antonio, pessoa que conheci na década de 1980.
Quando o conheci, no início de minhas pesquisas, Mario Antonio não me ensinava, ele indicava caminhos, pessoas: “- procura dona Abadia, não esquece de falar com Zezé do cavaco, Zezé do cavaco dançou com Leônidas, a história dos marimbondos na Monsenhor Eduardo, a passagem no brejo e na chuva sem sujar as roupas, vai atrás desse povo, menino!”. E assim, por intermédio de Mario Antonio, conheci várias e várias pessoas que também já faleceram.
A morte de Mario Antonio, representa mais uma ruptura antes do tempo, que acontece entre gerações de congadeiros na cidade de Uberlândia e região. Por esse motivo é que penso nos pós pandemia e as narrativas que virão: será só recordações? De que modo as famílias vão escrever suas histórias a partir das ausências de filhos, netos, pais, avós, amigos, primos e conviver com a solidão, o vazio, diante de uma dor saudosista que talvez não fosse necessário viver; sabemos que em muitos casos, com certeza, essas dores poderiam ter sido evitadas.
Mario Antonio é também um reflexo desse tempo. Ele foi dançar congo no céu, e lá, uma multidão de congadeiros dessas minas gerais, o saúdam com as cantorias ancestrais, pois essa pandemia, infelizmente, está produzindo uma festa de congada nesse céu bem parecido com um arco íris de fé, com essa essência de ancestralidade afro-brasileira, tão bem representada na figura do caixeiro Mario Antonio.