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Pendura Saia, Caixote em Pé e Puxa Faca: Tibery, Saraiva e Santa Mônica

Publicado em 25/09/2021 - 12:02 Por Jeremias Brasileiro
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Créditos da imagem: Divisas dos bairros Santa Mônica e Tibery. Fonte: Arquivo Público de Uberlândia.

Quando cheguei em Uberlândia no início da década de 1970, fui morar próximo a uma empresa de balas localizada na Avenida Rio Branco, ficava entusiasmado com o cheiro das balas e mais ainda com o descarte daquelas não apropriadas ao consumo, que eu e colegas vizinhos íamos buscar.


Uma de minhas Tias, já morava no bairro Santa Mônica desde os finais de 1960. Ir para a casa da Tia Luzia nos primeiros momentos era uma aventura, atravessar o brejo da atual Avenida Rondon Pacheco, próximo ao colégio Messias Pedreiro, ver filme do Drácula e ficar com medo de voltar para casa atravessando a escuridão que se fazia no brejo. Em 1974 mudamos para o alto do Santa Mônica e fui estudar em uma escola estadual no bairro Tibery.

 

Entrar no coletivo no Santa Mônica, atravessar o Tibery para ir ver filme de kung fu no cine Vera Cruz, retornar e ficar no fundo do coletivo, com receio da turma encrenqueira do bairro Tibery, era realmente uma aventura, pois quando essas turmas se encontravam, as rixas aconteciam, por isso, a turma do Santa Mônica raramente descia em ponto de ônibus do lado do bairro Tibery.  

 

A disputa pelo córrego que fazia fronteira entre os bairros igualmente acontecia, pois ainda a água era limpa, lugar de nadar e pescar, além das chácaras que margeavam o córrego. Evidente que mais abaixo existia um curtume, uma cerâmica que se localizava próximo ao colégio Messias Pedreiro, do lado do Santa Mônica. Além disso, uma ponte quase estilo pinguela, chamada de “raspa mandioca” em homenagem a uma fábrica de mandiocas que também existia na região. Mais tarde, porém, apareceu o centro administrativo, prefeitura de Uberlândia e supermercado.

Imagem ilustrativa. JBrasileiro, 2017.

As lembranças de um Sr. (Neto) que viveu diretamente nessa época, traz as memórias dos nomes que compõem o título desse texto: Pendura Saia, Caixote em Pé e Puxa Faca. Os bate-barbas entre jovens, ou seja, rixas, discussões, aconteciam em bailes, esquinas, depois de sessões de cinema no Cine Vera Cruz ou simplesmente nos fins de semanas por motivos diversos.

Sr. Neto dizia que Pendura Saia era em referência aos lugares de boemia no Tibery, principalmente em uma das principais avenidas, e, naturalmente, quando os jovens se encontravam com os intrusos de outros bairros, as diferenças surgiam. Sr. Neto acrescentava que depois teve outras ondas de juventude nessas disputas territoriais, ele contudo, fez parte ativa dos primeiros movimentos de contestação quando as fronteiras entre os bairros eram atravessadas.

Caixote em Pé, segundo Sr. Neto, era uma maneira critica de se referir aos jovens do Saraiva, por terem mais perto um clube social e estarem mais próximos do centro da cidade. Mesmo sendo obrigados a passarem pinguelas, andarem nos trilhos, amassarem barro ou se empoeirarem, se julgavam melhores que os jovens moradores do Santa Mônica e Tibery. Quem sobe em caixote vazio, na posição vertical, acaba caindo e passando vergonha, é como se diria hoje em dia: “- Se alimenta com ovo de granja e arrota linguajar de caviar”, dizia o Sr. Neto, todo sorridente ao lembrar desses tempos. 

O Puxa Faca tinha a ver com o bairro Santa Mônica. Sr. Neto que até hoje (2021), mora no bairro, diz: “- o pessoal tinha a mania de andar com facas, canivetes no bolso e na cintura, tinha muito disso mesmo, então ficava essa fama que o pessoal puxava faca por qualquer relia, daí assustava as turmas do outro lado do córrego né, era umas disputas bravas, mas depois ficava assim mesmo”.

Conheci pessoalmente dois personagens, o João da Faca, por transportar no interior do banco de sua lambretinha 64, um pequeno facão. Na realidade ele era usado para amedrontar torcida e jogadores em campos de futebol, pois o João da Faca era organizador de campeonatos na periferia e zona rural e às vezes, também atuava como juiz em jogos mais difíceis. O outro tinha apelido de Azulão do Canivete, ficava sempre sentado em cantinhos de botecos, não incomodava ninguém, gostava às vezes de uma pinguinha e de preparar “pito de paia”, usando seu canivete. 

Precisamos recuperar essas histórias que o povo faz para mostrarmos as diferentes Uberlândias que existiam e existem ainda entre nós.

 

Tags: Tibery, Santa Mônica, Saraiva, histórias, memórias, Uberlândia
 Jeremias Brasileiro Jeremias Brasileiro
Crônicas e Ensaios das Gerais

Doutor em História Social pela Universidade federal de Uberlândia. É Comandante Geral da Festa da Congada da cidade de Uberlândia, no Triângulo Mineiro, desde o ano de 2005 e presidente da Irmandade do Reinado do Rosário de Rio Paranaíba, Alto Paranaíba, Minas Gerais, desde o ano de 2011. Desenvolve pesquisas sobre cultura afro-brasileira e sua diversidade nas Congadas de Minas Gerais, associando-as com o contexto educacional, em uma perspectiva epistemológica congadeira, de ancestralidade africana. Um intelectual afro-brasileiro reconhecido na obra de Eduardo de Oliveira: Quem é quem na negritude Brasileira (Ministério da Justiça, 1998), que lista biografias de 500 personalidades negras no Brasil; e na obra de Nei Lopes: Dicionário Literário afro-brasileiro (Rio de Janeiro: Editora Pallas, 2011). Detentor de um dos maiores acervos digitais sobre as Congadas de Minas Gerais, constituído desde a década de 1980, historiador com vasta experiência e produção cientifica sobre ritualidades, simbologias, coexistências culturais e religiosas em oposição ao conceito de sincretismo. Escritor, poeta, possui textos de dramaturgia, crônicas, literatura afro-brasileira.

Leia também: Sincretismo não! Coexistência cultural e religiosa, sim. Parte 1